A pequena cidade de Amarante, no distrito do Porto, é conhecida pela sua beleza, charme e gastronomia. Terra do célebre pintor modernista Amadeo de Souza-Cardoso, Amarante faz parte da Rota do Românico, percurso que contempla monumentos de estilo românico na região do rio Tâmega. Em 2021, o jornal britânico The Guardian elegeu-a como um dos destinos europeus a visitar nesse ano.
A história da cidade está muito ligada à figura do beato Gonçalo de Amarante, que os amarantinos elevaram à categoria de santo e padroeiro da cidade. São Gonçalo é tão importante que até tem direito a duas festas em sua honra: a primeira a 10 de janeiro, data da sua morte; e a segunda no primeiro fim de semana de junho, com as grandiosas festas da cidade.
O nome de São Gonçalo foi também associado a um doce tradicional com um formato no mínimo peculiar. Não há romaria em Amarante em que os famosos “colhõezinhos de São Gonçalo” não estejam presentes. Não, não leu mal. Estes bolos com formato fálico são conhecidos por vários nomes: “colhõezinhos de São Gonçalo”, “quilhõezinhos de São Gonçalo”, “colhões de São Gonçalo” ou “caralhinhos”.
Apesar do inusitado nome do doce, que mistura o profano com o religioso, a sua origem não está no culto a São Gonçalo. Este é um bolo com uma história muito antiga, com um passado pré-cristão. Sonia Files, do Turismo de Amarante, explicou, citada pela Vice, que “o ritual de oferecer os bolos de São Gonçalo terá tido origem na época romana, ou até mesmo em sociedades pré e proto históricas”.
No entanto, houve alturas em que este doce, considerado obsceno por muitos, gerou polémica e controvérsia. Ao longo dos anos, não faltaram autoridades maiores a insurgirem-se contra esta heresia do povo, nomeadamente a Igreja, em primeiro lugar, e o Estado Novo, em segundo.
Os bolos de São Gonçalo chegaram a ser proibidos pelo regime de Salazar. No entanto, os habitantes de Amarante continuaram a fazê-los em segredo. O regresso em força deu-se nos anos 1970, depois do 25 de abril e da implementação do regime democrático.
O santo casamenteiro das encalhadas
Gonçalo de Amarante ficou conhecido pelos casamentos que ajudou a realizar, até lhe chamavam “o casamenteiro das encalhadas”, e é por isso que ele é uma figura tão acarinhada em Amarante. Apesar de não ser considerado santo para a Igreja Católica, recebe honras de santo e uma grande devoção por parte dos amarantinos.
A sua reputação de casamenteiro foi fundamental para que fosse associado ao doce. Ao ajudar em muitas histórias de amor, Gonçalo gozou do respeito da comunidade. O povo passou a ligá-lo a antigos ritos ligados à fecundidade. Esta foi a oportunidade perfeita de fundir o pagão com o cristianismo.
Diz o povo que São Gonçalo salva até senhoras da viuvez, ajudando-as a casar novamente já numa idade avançada. Conta-se que o beato ajuda também a resolver a impotência sexual. Os homens rezavam-lhe na esperança de conseguir uma solução para esse problema. As mulheres solteiras roçavam os seus corpos no túmulo do santo em busca de fertilidade ou de marido.
As pessoas de Amarante começaram a honrar São Gonçalo com o falo, um símbolo tão antigo quanto a existência humana. O doce é feito com a originalidade da doçaria tradicional, mas não existe uma receita específica, cada pastelaria faz o bolo à sua maneira. Os ingredientes principais são: açúcar (grosso e fino), farinha, manteiga e ovos. No entanto, o segredo está no tipo de massa usada. A cobertura açucarada do doce é feita no final.
Os “colhões de São Gonçalo” podem ser facilmente encontrados em qualquer pastelaria da cidade e há épocas específicas do ano em que os pasteleiros amarantinos não têm mãos a medir. Em janeiro, por exemplo, o negócio das pastelarias aumenta exponencialmente, já que é tradição oferecer à família e aos amigos o doce fálico como forma de celebrar a fertilidade e a bonança no ano novo.
Durante o mês de junho, quando se celebram as festas em honra do padroeiro São Gonçalo, era tradição os rapazes oferecerem estes bolos às raparigas, uma espécie de carta de amor açucarada e pouco subtil.
O que visitar em Amarante?
São Gonçalo está tão presente na cidade que duas das atrações mais conhecidas de Amarante carregam o seu nome. É indispensável visitar a ponte de São Gonçalo, uma ponte de arquitetura civil barroca e neoclássica, construída nos finais do século XVIII. Junto à ponte, fica a igreja do Convento de São Gonçalo, onde se encontra o túmulo do beato.
Ainda dentro do edifício do Convento de São Gonçalo, em pleno centro de Amarante, fica o Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, onde se podem encontrar muitas obras do pintor modernista natural de Manhufe e um dos mais queridos filhos da terra.
Por trás da igreja de São Gonçalo fica a igreja de São Domingos, também conhecida como igreja de Nosso Senhor dos Aflitos. Concluída em 1725, a igreja em estilo barroco passou por um recente restauro, em 2011. Atualmente, abriga também um museu de arte sacra.
Construída no local da antiga capela de São Martinho, a igreja de São Pedro foi concluída em 1727. Possui fachada e uma torre central de estilo barroco, acompanhada de dois patamares balaustrados, com as imagens de São Pedro e de São Paulo.
O Solar dos Magalhães é um edifício com mais de 600 anos de história. Construído no século XIX, o solar foi um símbolo da resistência contra a invasão das tropas de Napoleão. Queimado pelas tropas francesas em 1809, da estrutura original do solar restam somente as paredes exteriores.
O parque do Ribeirinho é um excelente lugar para relaxar e fazer um piquenique na margem esquerda do rio Tâmega. O local possui estacionamento e uma ampla área com árvores ao lado do rio de onde se tem as melhores vistas da ponte São Gonçalo e do centro histórico.
Na margem direita do rio Tâmega vai encontrar a Praia Fluvial Aurora, também conhecida como Praia Fluvial dos Poços. Possui infraestrutura com bar, restaurante e ancoradouro para prática de atividades aquáticas, como canoagem ou passeios de barco.
10 doces tradicionais portugueses
Independentemente da ocasião, há algo que não pode faltar à mesa dos portugueses: os doces. Quer seja a típica doçaria da avó que foi passando de geração em geração ou os doces inventados por freiras residentes em conventos que se mantiveram até aos nossos dias, há doces para todos os gostos.