Num percurso acompanhado pelo rio Douro, a locomotiva a vapor e as cinco carruagens históricas percorrem a distância que vai da Régua ao Tua, numa viagem ao passado, marcada pela paisagem do Douro Vinhateiro, classificada pela UNESCO como Património Mundial.
Na segunda metade do século XIX, a chegada do comboio à região do Douro foi recebida com grande entusiasmo. A construção da Linha do Douro, que começou em 1875, e a chegada do primeiro comboio à estação da Régua, quatro anos depois, era sinónimo de progresso para a região.
O comboio permitiu estabelecer o transporte regular de pessoas e mercadorias, nomeadamente o vinho, e diminuir o isolamento de regiões que, naquela época, tinham como únicas ligações estradas em muito mau estado ou a arriscada navegação pelo Douro. O grande objetivo era ligar o Porto ao Douro Vinhateiro, região demarcada para a produção vinícola desde 1756.
Hoje em dia, é muito fácil chegar até ao Douro Vinhateiro, Património Mundial da UNESCO desde 2001. As estradas que serpenteiam as encostas do rio oferecem-nos vistas privilegiadas para os vinhedos e para o vale do Douro, que se prolonga no horizonte. Os inúmeros barcos-cruzeiro deslizam tranquilamente no rio, dando-nos uma perspetiva diferente e ampla da magnitude desta paisagem.
Com tantas opções para apreciar o Douro Vinhateiro, porque é que o comboio continua a fascinar tantas pessoas? De acordo com a CP – Comboios de Portugal, em 2018 e 2019 viajaram no Comboio Histórico do Douro, 6190 e 5420 clientes, respetivamente. Entre junho e outubro de 2021, subiram a bordo do comboio cerca de 7800 passageiros.
Da Régua ao Tua num comboio a vapor
Em setembro de 2022, a equipa da EscapadaRural teve a oportunidade de embarcar numa das cinco carruagens históricas, encabeçadas pela locomotiva a vapor CP 0186, construída em 1925. Uma viagem de 36 quilómetros entre a Régua e o Tua. Mas, mais do que isso, uma viagem no tempo e na História.
Iniciamos este périplo ao passado na estação ferroviária da Régua, outrora uma importante interface ferroviária de onde partia o comboio da Linha do Corgo em direção a Vila Real e Chaves. Ao fundo, numa linha do antigo cais coberto de mercadorias, vemos o comboio histórico, pronto para nos receber. Mas, antes, todos os passageiros são brindados com um cálice de vinho do Porto, um saco dos famosos rebuçados da Régua e uma garrafa de água.
O termómetro marca 34ºC nesta solarenga tarde de setembro e, por momentos, questionamo-nos como é que as pessoas andavam de comboio no século XIX sem ar condicionado. Estamos prestes a descobrir, porque esta viagem é uma verdadeira imersão ao passado.
O apito estridente da locomotiva a vapor avisa-nos que estamos quase a partir. O comboio histórico tem capacidade para 254 lugares e Pedro Gonçalves, representante da CP, confirma que a lotação está esgotada. Todos a bordo! E partimos.
Apesar das cinco carruagens de madeira irem cheias, há muitos assentos vazios. A excitação é muita e é impossível ficarmos sentados nos lugares que nos foram atribuídos. As janelas abertas e os varandins nas extremidades das carruagens são os sítios preferidos dos passageiros para apreciar as paisagens e também combater o calor (afinal a falta de ar condicionado não é um problema).
O comboio atravessa a ponte metálica sobre o rio Corgo, um dos afluentes do Douro, atravessa um primeiro túnel até chegar à barragem de Bagaúste, que data de 1973, onde os barcos do Douro sobem e descem pelas eclusas para prosseguir viagem. Em direção à vila do Pinhão, o comboio segue pela margem direita do rio e entra na sub-região de produção de vinho do Cima-Corgo.
Em cada janela pode ler-se “não se debruçar”, mas é inevitável colocarmos a cabeça de fora para contemplar a exuberante paisagem dos socalcos vinhateiros, pintada com as cores quentes do outono. A paisagem no Douro Vinhateiro é arrebatadora durante todo o ano, mas nesta época do ano é especial por causa da azáfama das vindimas.
Ao longo do trajeto, vamos vendo as quintas produtoras de vinhos que exibem orgulhosamente os seus nomes em grandes painéis ou pintados nas casas. Também elas fazem parte da História desta região e desta viagem no tempo.
Pinhão, a mais bela estação do Douro
Antes de chegar ao Pinhão, passamos pela pitoresca estação de Covelinhas, que serve a aldeia com o mesmo nome. Sem parar, reparamos na típica arquitetura das estações do Douro e na vista privilegiada para o espelho de água, onde se distinguem uma série de pequenas baías que correspondem à confluência de diversas linhas de água com o Douro.
Inicialmente, quando foi projetada, a Linha do Douro terminaria na vila do Pinhão. No entanto, por pressão da burguesia portuense e de D. Antónia Ferreira, empresária e figura marcante do Douro que dedicou parte da sua vida à produção de vinho do Porto, foi prolongada até Barca d’Alva, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, junto à fronteira com Espanha.
O Pinhão tem aquela que é considerada por muitos a mais bela estação da Linha do Douro. Os 24 painéis, compostos por 3047 azulejos, encomendados em 1937 à conceituada Fábrica Aleluia, em Aveiro, fazem da estação do Pinhão uma galeria de arte ao ar livre, cujos painéis retratam toda a Região Demarcada do Douro e atividade vitivinícola, as fainas agrícolas, as paisagens e os costumes.
Mas a paragem do comboio histórico no Pinhão serve essencialmente para abastecer a caldeira da locomotiva a vapor e, claro, que ninguém quis perder a oportunidade de ver como funciona a locomotiva e de tirar umas fotografias com o comboio como pano de fundo.
Com 31 anos de experiência como maquinista, António Fraga é o homem ao comando do comboio histórico. Dentro da cabina do maquinista, que pode atingir uma temperatura de 60ºC, é ele que move a alavanca de marcha, aciona o regulador, e controla a velocidade – que não pode ultrapassar os 50 quilómetros/hora. Nesta curta paragem no Pinhão, também é ele que nos mostra como se abastece a caldeira de água.
Com ele vão mais dois ajudantes, cujas tarefas incluem abastecer a caixa de fogo com carvão, controlar a pressão do vapor e adicionar água à caldeira.
Seguimos viagem sempre com o rio Douro a acompanhar-nos do lado direito, proporcionando-nos vistas soberbas sobre o vale.
Última paragem: estação do Tua
À medida que nos afastamos da barragem de Bagaúste, o nível das águas do rio tende a regressar às suas origens. A aproximação à confluência com o rio Tua traz consigo uma mudança na paisagem, aqui mais agreste e rochosa.
A passagem pela ponte metálica, à chegada da estação do Tua, é sem dúvida um dos momentos mais marcantes da viagem. Aqui, entramos na sub-região do Douro Superior.
Chegámos à última paragem desta nossa viagem: a estação do Tua. Em tempos uma referência ferroviária da qual partiam os comboios regionais da Linha do Tua em direção a Mirandela e Bragança, nesta estação podemos observar o importante património ferroviário que faz parte do legado industrial do vale do Douro. É também aqui que António Fraga e os seus ajudantes procedem às manobras de inversão da locomotiva a vapor para que possamos voltar à Régua.
Mas, antes disso, ainda houve tempo para relaxar, contemplar a paisagem, visitar a mostra de produtos regionais, visitar o Centro Interpretativo do Vale do Tua, onde os passageiros do Comboio Histórico do Douro beneficiam de um desconto nos bilhetes, e até dar um pezinho de dança ao som da música tradicional do Grupo Cultural “Os Medroenses”, de Santa Marta de Penaguião, que nos acompanharam durante toda esta viagem.
O percurso de regresso até à estação da Régua fez-se de uma forma mais lenta e melancólica, não em termos de velocidade da locomotiva, mas de estado de espírito, quase como se fôssemos acompanhando as alterações da luz solar e as primeiras sombras que cobriam o vale.
O sol ia desaparecendo no horizonte, pincelando o céu e os socalcos de um tom diferente. Havia menos pessoas a deambular pelas carruagens, afinal aquelas três horas foram suficientes para conhecer todos os cantos do comboio histórico.
Só a canção “Apita o comboio”, entoada pelo grupo musical, foi capaz de tirar os passageiros do torpor em que estavam mergulhados. “Apita o comboio, lá vai a apitar. Apita o comboio, à beira do mar”. Ou melhor: à beira do rio, neste caso. De repente, estávamos de volta à Régua e ao século XXI.
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2 comentários
Excelente! Pena que não foi feita qualquer menção aos créditos/direitos de autor da fotografia escolhida para a capa do artigo.
Olá Nelso! Foram colocados os créditos do autor da fotografia, mas ao aparecer apenas como capa do artigo e não ter sido incluída no artigo em si, não aparecem visíveis. Pedimos desculpa pelo sucedido e iremos substituir a fotografia por outra que esteja de facto no artigo. Obrigada por ler o nosso magazine!