É o território mais a sul de Portugal, a 250 quilómetros do arquipélago da Madeira. Foi a primeira reserva natural do país, classificada em 1971. E é também uma das maiores áreas protegidas do mundo, e a maior do Atlântico Norte, com 2677 quilómetros quadrados de área marinha com proteção total. Por todas estas razões e mais algumas, as ilhas Selvagens são uma relíquia que importa preservar.
Descobertas em 1394 pelos irmãos Pizzigani, só mais tarde, em 1438, foram batizadas como ilhas Selvagens pelo navegador português Diogo Gomes. Pertenceram aos Caiados, uma família madeirense, antes de terem sido vendidas ao banqueiro Rocha Machado, em 1904.
Na década de 60, Alexander Zino, um naturalista inglês a viver na Madeira, interessou-se pelas ilhas e pela proteção das aves que aí habitavam. Zino tentou comprar as ilhas com a ajuda do World Wildlife Fund for Nature (WWF), mas o Estado português antecipou-se e comprou-as em 1971.
As ilhas Selvagens são um subarquipélago do arquipélago da Madeira e são constituídas por duas ilhas principais – a Selvagem Grande, onde se localiza a Estação principal de apoio à área protegida, e a Selvagem Pequena -; por uma série de ilhéus, sendo o principal o ilhéu de Fora; e por toda a área marinha adjacente. Tal como quase todas as ilhas da Macaronésia, têm origem vulcânica.
A Selvagem Grande (245 hectares), de forma pentagonal, é caracterizada por uma extensa zona planáltica, que cai abruptamente sobre o mar em agrestes falésias vulcânicas resultantes da erosão. Este planalto eleva-se a cerca de 100 metros de altitude e o ponto mais alto é atingido no Pico da Atalaia, a 163 metros, seguido do Pico dos Tornozelos, com 137 metros.
A Selvagem Pequena (20 hectares) apresenta forma irregular, perfil baixo e achatado, sendo quase totalmente coberta por areia calcária, que inclui areia de origem marinha encontrada em bacias erodidas. Atinge uma altitude máxima de 49 metros, no Pico do Veado, onde existe um farol. O ilhéu de Fora (8 hectares) é também coberto por areia calcária e atinge uma altitude máxima de 18 metros, no Pitão Pequeno.
A maior colónia de cagarras do mundo vive nas Selvagens
O arquipélago é um santuário para aves. Nas Selvagens vive a maior colónia do mundo de cagarras, uma ave marinha migratória que, entre os meses de março e setembro, se instala nas ilhas para nidificar.
Até à década de 70 do século XX, os direitos de caça das ilhas eram vendidos a caçadores que saíam do Funchal em setembro para caçar os juvenis de cagarra antes que partissem para a África. Quando as ilhas foram classificadas como reserva natural, estas aves, que põem apenas um ovo por ano, conseguiram estabilizar a população em cerca de 30 mil casais, que agora habitam o arquipélago durante o verão.
Mas não são apenas as cagarras que vivem nas ilhas Selvagens. Por ser parte do Parque Natural da Madeira, estas ilhas são habitadas em permanência por dois vigilantes da natureza, que vivem numa casa na Selvagem Grande. Desde agosto de 2016, vivem também na mesma ilha dois elementos da Polícia Marítima, num novo posto construído para o efeito. A partir de setembro, junta-se-lhes um elemento da Capitania do Funchal.
Uma das maiores áreas protegidas do mundo
Em novembro de 2021, o Governo Regional da Madeira anunciou a criação da Maior Área Marinha de Proteção Total da Europa, através da aprovação de um novo regime jurídico sobre a Reserva Natural das Ilhas Selvagens.
Este novo regime jurídico foi promulgado em abril de 2022 e ampliou 27 vezes a área protegida, que passou de 97 quilómetros quadrados de mar protegido para 2677 quilómetros quadrados de área marinha com proteção total.
Até agora, a reserva estava delimitada pela barimétrica dos 200 metros, abrangendo toda a área terrestre das ilhas Selvagem Grande e Selvagem Pequena, do ilhéu de Fora e de outros pequenos ilhéus adjacentes. Com o novo regime jurídico, a proteção estende-se até às 12 milhas náuticas a partir da linha da costa. Dentro deste território, todas as espécies passam a estar totalmente protegidas de qualquer atividade extrativa, como a pesca ou a exploração de inertes.
A decisão foi suportada por estudos científicos, jurídicos e por dados recolhidos em expedições realizadas nos últimos anos. O objetivo do alargamento da reserva pelo Governo Regional é fortalecer o compromisso da Madeira no reforço da proteção daquele que é o ecossistema mais intacto do Atlântico Nordeste.
Uma disputa entre Portugal e Espanha
Localizadas a apenas 165 quilómetros do arquipélago espanhol das Canárias, as ilhas Selvagens sempre foram um osso duro de roer para Espanha. As Selvagens situam-se mais perto de território espanhol (ilhas Canárias) do que do português (Madeira) e, por isso, ao longo da história, houve vários momentos de tensão entre os dois países.
Em setembro de 1911, o Governo espanhol enviou uma nota ao Governo português comunicando que deliberara incorporar as Selvagens no arquipélago das Canárias e que ia montar nas ilhas um farol. A administração portuguesa protestou e foi acordado não praticar quaisquer atos que pudessem comprometer uma solução amigável da questão.
Em 1938, a Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional confirmou a soberania portuguesa das ilhas, embora a Espanha não tenha tido a oportunidade de defender os seus interesses por estar imersa na guerra civil espanhola (1936-1939).
Em 1975, aproveitando a turbulência política em Portugal, alguns espanhóis desembarcaram na Selvagem Grande e hastearam uma bandeira espanhola, embora a título absolutamente privado e sem qualquer apoio do Governo espanhol. No ano seguinte, foi apreendida uma embarcação espanhola e, dois anos depois, foram capturados por pesca ilegal outros barcos espanhóis.
Também no que respeita ao controlo do espaço aéreo, houve ao longo dos anos alguns pequenos incidentes, sempre relacionados com voos efetuados por aviões espanhóis sobre a reserva natural abaixo da altitude acordada com o Governo português.
Mais recentemente, na sequência da proposta do Projeto de Extensão da Plataforma Continental, apresentado por Portugal às Nações Unidas, Espanha objetou, colocando em causa o estatuto de ilha das Selvagens. A objeção foi entretanto retirada em 2015. Se as Selvagens passassem a ser consideradas rochedos, Espanha ficaria com mais 74 milhas marítimas de Zona Económica Exclusiva (ZEE) à volta das ilhas.
Mas, afinal, o que é que faz com que as ilhas Selvagens sejam consideradas ilhas e não rochedos? A distinção é subtil, mas clara. Para que determinada formação rodeada de água seja considerada ilha, e não um rochedo, deve demonstrar-se que a mesma se presta à habitação humana ou à vida económica.
O fato das Selvagens não serem habitadas – com a exceção dos dois vigilantes e dos dois elementos da Polícia Marítima – não significa que devam, apenas por essa razão, ser consideradas rochedos, uma vez que o relevante não é serem habitadas ou terem atividade económica em concreto, mas sim haver, em abstrato, a susceptibilidade de serem habitadas e de se desenvolver uma atividade económica.
Na prática, se as Selvagens fossem consideradas rochedos, Portugal teria direito a apenas 12 milhas a partir da costa. Atualmente, e enquanto as Selvagens têm estatuto de ilha, Portugal tem direito a uma ZEE de 200 milhas, embora na prática tenha apenas 82 milhas, uma vez que as ZEE de Portugal e Espanha se sobrepõem, por causa das Canárias. Ainda assim, Portugal tem a terceira maior ZEE da União Europeia.
Ilhas desertas em Portugal para escapar às multidões
De difícil acesso e quase sem estabelecimentos de apoio, como hotéis, bares e restaurantes, são lugares para os verdadeiros aventureiros que procuram a tranquilidade e o sossego que estes pequenos paraísos podem oferecer. Descubra 10 ilhas e ilhéus em Portugal que são um autêntico refúgio do mundo.
