Tenha cuidado ao manusear um espelho, porque se o partir terá sete anos de azar. Nunca varra os pés a alguém, a não ser que essa pessoa não queira casar, porque é isso mesmo que lhe vai acontecer se o fizer. Nem pense em abrir o chapéu de chuva dentro de casa, passar por baixo de uma escada ou sentar 13 pessoas à mesa. São tudo formas de atrair o azar para a sua vida. Ou isso acreditam os supersticiosos.
A superstição é uma crença popular, originada pelo medo do sobrenatural, que conduz geralmente ao cumprimento de falsos deveres ou numa confiança em rituais. Criadas pelo povo, as superstições costumam passar de geração em geração, mantendo vivas as crenças.
O povo português sempre foi muito supersticioso, basta recordarmos figuras míticas que pontuam a nossa literatura e tradições. O Adamastor, o gigante que afundava as naus que ousavam tentar passar o Cabo das Tormentas, mencionado em Os Lusíadas de Luís de Camões, ou o bicho-papão, que atormentava as crianças desobedientes, são dois bons exemplos dessa crença popular coletiva.
As superstições sempre fizeram parte das nossas vivências e tradições, que foram sendo cimentadas e preservadas nos valores culturais que herdamos dos nossos antepassados. De origem religiosa ou não, estas crenças existem para justificar a suposta casualidade de acontecimentos inexplicáveis que ocorrem num determinado contexto.
Claro que há pessoas que não acreditam em superstições, mas o melhor mesmo é não brincar com a sorte. Por isso, reunimos alguns dos lugares em Portugal onde as pessoas vão em busca da sorte, do amor ou para pedir desejos inalcançáveis.
1. Igreja de Santa Clara (Vila do Conde)
O dia do casamento é um dia muito especial, quer para os noivos que decidiram dar o nó, quer para a família e amigos que se juntam para celebrar o amor daquele casal. São meses de preparação para que tudo corra bem e não haja falhas. Mas há coisas que fogem ao controlo de quem organiza uma boda, como é o caso das condições meteorológicas.
Apesar de a sabedoria popular afirmar “casamento molhado, casamento abençoado”, ninguém quer que a chuva arruine o seu grande dia. Para fintar as previsões meteorológicas, os noivos fazem de tudo. Uma das crenças populares para que o dia do casamento seja brindado com sol e bom tempo é levar uma dúzia de ovos caseiros à igreja de Santa Clara.
Conta-se que Clara gostava de fazer doces com claras de ovos no convento, mas uma praga exterminou as galinhas e, por isso, ficou sem o ingrediente principal das suas receitas. Rezou a Deus para que lhe enviasse uma solução e foi atendida com a chegada de uma caravana de carroças, que buscava abrigo por conta da inundação na vila e, em troca, ofereceu ovos. Santa Clara fez uma prece para que as chuvas cessassem e conseguiu que isso acontecesse.
Se isto é superstição, mito ou milagre divino, não sabemos. Mas a verdade é que ninguém quer arriscar e, por isso, alguns dias antes do dia do casamento lá vão os casais deixar uma caixa de ovos no altar de Santa Clara na bonita igreja em estilo gótico de Vila do Conde.
2. Santuário de Nossa Senhora da Lapa (Sernancelhe)
A história da Lapa começa em 1493 com o aparecimento da imagem de Nossa Senhora debaixo de uma lapa – pequena gruta -, trazida para aquele local por religiosos que fugiam ao general mouro Al Mansor. Quem a descobriu foi uma pastora muda chamada Joana.
Alguns anos mais tarde, já sob a orientação dos jesuítas, foi construída no mesmo local a atual igreja, que ficaria concluída no ano de 1635. Ao lado da igreja, foi construído um colégio em finais do século XVI, onde estudaram figuras ilustres como o escritor Aquilino Ribeiro.
Mas o que mais chama a atenção no santuário e que atrai muitos peregrinos e curiosos é a gruta onde a imagem de Nossa Senhora foi descoberta. Dentro da gruta, no altar-mor, há uma pedra muito estreita onde todos os visitantes tentam a sua sorte. O ritual consiste em passar pela gruta, ver a imagem original no mesmo local onde foi encontrada e depois passar por um caminho estreito, entre o penedo e uma parede.
Diz o povo que só lá passa quem não tem pecados. Quem não consegue passar é porque não está bem e tem de se purificar. Esta tradição é uma espécie de metáfora bíblica, onde temos que nos colocar à prova (o caminho estreito) para encontrarmos a luz e a purificação.
Lendas e ritos pagãos à parte, vale muito a pena visitar a capela com as suas paredes cobertas com mosaicos do século XVII.
3. Igreja de São Gonçalo (Amarante)
Em Portugal, quem quiser muito casar pode recorrer a dois santos casamenteiros. Um com o seu trono em Lisboa, o Santo António, e outro situado a norte, São Gonçalo de Amarante. Mas não há conflitos de santos milagreiros, já que um se encarrega de casar as jovens e o outro as mais velhas.
Esta crença popular leva muita gente a visitar a igreja e o túmulo de São Gonçalo, em Amarante, que, para a Igreja Católica, não é santo, mas sim beato. Mas para a população amarantina é santo e a devoção por ele é enorme.
Dentro da igreja está a estátua de São Gonçalo, do século XVI, onde está a famosa corda de São Gonçalo. A corda rodeia a cintura da estátua e, segundo a crença popular, “as encalhadas” deveriam puxar a corda três vezes, para pedir um casamento ao santo. No entanto, de forma a preservar a estátua, esta foi colocada num local alto com a recomendação de que não se puxe a corda, uma vez que poderia colocar em risco a imagem.
Apesar de não ser recomendado puxar a corda à estátua de São Gonçalo, pode sempre fazer uma oração de casamento ao beato. Deixamos-lhe aqui duas opções:
“São Gonçalo de Amarante,
Casamenteiro que sois,
Primeiro casais a mim;
As outras casais depois.”
“São Gonçalo ajudai-me,
De joelhos te imploro,
Fazei com que eu case logo,
Com aquele que adoro.”
Bolos de São Gonçalo, o doce fálico de Amarante
A pequena cidade de Amarante, no distrito do Porto, é conhecida pela sua beleza, charme e gastronomia. Terra do célebre pintor modernista Amadeo de Souza-Cardoso, Amarante faz parte da Rota do Românico, percurso que contempla monumentos de estilo românico na região do rio Tâmega. Em 2021, o jornal britânico The Guardian elegeu-a como um dos destinos europeus a visitar nesse ano.
4. São Bartolomeu do Mar (Esposende)
Durante a romaria em honra de São Bartolomeu do Mar, no concelho de Esposende, manda a tradição que no dia 24 de agosto as crianças mergulhem num número de ondas ímpar, sendo em regra três, para que fiquem livres de males como o medo, a gaguez ou a epilepsia.
A este ritual dá-se o nome de “banho santo” e é um dos pontos altos das festas da freguesia de Mar. Nesse dia, a praia de São Bartolomeu do Mar enche-se de gente, adultos e crianças. Apesar da temperatura gelada da água, as crianças são levadas por familiares ou pelos banheiros – pessoas encarregues de fazer o ritual, recebendo uma recompensa por isso – para serem mergulhadas no mar.
A superstição é antiga, remonta ao século XIX, e tem origem numa lenda segundo a qual todos os anos, precisamente no dia 24 de agosto, o diabo anda à solta, só voltando ao mar quando anoitece. É esse o motivo para levar as crianças ao mar, durante o dia, para que aproveitem as águas “puras” para se curarem de todos os males.
Antes mesmo do mergulho, o ritual começa na capela de São Bartolomeu, onde as crianças dão três voltas ao templo com os “pitos” (galinhas ou galos pretos) ao colo. Hoje em dia, até se pode alugar o galo ou a galinha, que nem precisa ser preto, à porta da igreja por cerca de 7,5 euros.
À tarde, o agradecimento ao santo faz-se durante uma imponente procissão entre a capela e o mar, acompanhada por centenas de figurantes que reconstituem episódios bíblicos.
5. Penedo dos Cornudos (Amarante)
Na pequena aldeia de Travanca do Monte, no concelho de Amarante, ninguém sabe ao certo como surgiu a história do Penedo dos Cornudos, muitos nem sequer sabem da existência de tal rocha. São sobretudo os mais velhos que ainda recordam que, em plena serra da Aboboreira, existe um penedo que parece conseguir adivinhar infidelidades.
Dizem os habitantes mais idosos da aldeia que, não há muito tempo, ainda era comum ver alí homens a fazerem o “teste da fidelidade”. Sim, porque este ritual é exclusivo para homens e apenas deteta infidelidades do sexo feminino.
Existem duas versões deste ritual: uma primeira, diz que todo o rapaz que ali passasse teria de olhar o penedo de cima a baixo e atirar um pedregulho a ele para garantir que a esposa não lhe seria infiel; e uma segunda, afirma que todo o homem deveria atirar um pedregulho, sim, mas que esse pedregulho teria de se manter em cima do penedo, e por cada um que caísse, essas foram as vezes em que a mulher tinha sido infiel.
Tendo em conta outros rituais semelhantes em Portugal relativos a “pedras baloiçantes”, a segunda versão poderia fazer mais sentido. Em tempos distantes, era comum atribuir poderes místicos a rochas de grandes proporções que surgem em cima de outras rochas e que, devido à sua morfologia, podem mexer ou baloiçar.
Hoje em dia não é muito fácil encontrar o Penedo dos Cornudos, porque resta muito pouca gente na aldeia que ainda sabe dizer com precisão onde ele se encontra. No entanto, é possível ver pequenas pedras em cima do penedo, por isso talvez ainda haja quem continue a praticar o ritual.
6. Rocha dos Namorados (Reguengos de Monsaraz)
A Rocha dos Namorados ou Pedra dos Namorados pode ser encontrada à entrada da aldeia oleira de São Pedro do Corval, no município de Reguengos de Monsaraz. Este afloramento natural de granito, em forma de cogumelo, é uma valiosa testemunha da continuidade dos cultos relacionados com a fecundidade ao longo dos tempos.
Adornada de gravuras megalíticas do tipo “covinhas”, esta pedra da fertilidade de mais de dois metros de altura tem o seu topo coberto por um manto de pequenas pedras soltas, representativas de um antigo rito pagão que se manteve até aos nossos dias.
Segundo conta a tradição, na Segunda-Feira de Páscoa, as raparigas solteiras dirigem-se ao local para consultar o menir em matéria do seu casamento. Cada pedra atirada ao topo do monumento e que caia representa um ano de espera em relação ao casamento.
É um raro exemplo de idolatria que comprova uma evidente continuidade dos cultos relacionados com a fecundidade, que, em tempos históricos, aparecem muitas vezes associados a antas, menires ou a simples pedras como esta.
7. Estátua de São Longuinho (Braga)
A noite de São João é celebrada com grande fervor em Braga, mas há uma curiosa tradição que não envolve martelos de plástico, nem balões, nem manjericos. Durante estas festas populares, existe um ritual que envolve a estátua de São Longuinho e o Santuário do Bom Jesus do Monte. Algumas raparigas andam à volta da estátua de granito, proferindo orações, com objetivo de apressar o seu casamento.
De acordo com uma antiga lenda local, um lavrador muito rico, de nome Longuinhos vivia nos arredores da cidade, perto do Bom Jesus. Solteiro e recatado, era estimado por todos na comunidade. As raparigas solteiras não lhe eram indiferentes e viam-no como um bom partido, embora nenhuma o impressionasse particularmente.
Até que Longuinhos se apaixonou por uma rapariga chamada Rosinha e entendeu que era o momento de partilhar a sua fortuna. O lavrador informou-se de quem era o pai dela e procurou-o. Quando o encontrou, pediu a mão dela em casamento. No entanto, o pai mostrou-se um negociador difícil e apenas cedeu quando Longuinhos lhe prometeu uma pensão.
Rosinha foi então informada pelo pai que iria casar com Longuinhos. Contudo, ela amava outro rapaz de nome Artur e, diante do altar do Bom Jesus, havia-lhe prometido casamento. Mas o pai não cedeu e a filha acabou por aceitar casar-se com Longuinhos.
Já no seu quarto, a jovem começou a chorar e a rezar a São João. De repente, ouviu uma voz dentro de si que lhe dizia que tivesse calma, que tudo se arranjaria. Era a voz de São João que foi ter com Longuinhos e lhe pediu para não estragar a felicidade dos dois jovens que tanto se amavam. Além do mais, comprando o pai de Rosinha com dinheiro.
Longuinhos percebeu então que tinha cometido um erro e que não tinha o direito de destruir a felicidade de ambos. São João conseguiu que Rosinha e Artur se casassem e ainda lhes arranjou um padrinho à altura, o próprio Longuinhos.
Conhece estas tradições dos Santos Populares?
Há várias tradições associadas às celebrações do Santo António, São João e São Pedro, mas será que conhece a sua origem e o porquê de existirem? Deixamos-lhe aqui algumas das mais conhecidas tradições que fazem dos Santos Populares uma das maiores festas de Portugal.