Magazine Natureza O curioso fenómeno do “mar” de Minde

O curioso fenómeno do “mar” de Minde

578 Shares
Polje de Minde
Polje de Minde. Por Towiki60

Em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros existe um “mar”, conhecido como o mar de Minde, que aparece quando as condições de pluviosidade excedem os valores considerados normais e os terrenos atingem um nível tal de saturação que não lhes permite absorver mais água. Na realidade, é uma vasta lagoa ou, para utilizarmos o termo científico, um polje.

Limitado pelos planaltos de Santo António e São Mamede, o polje de Minde tem uma extensão de 4 quilómetros de comprimento e 1,8 quilómetros de largura. Em anos de precipitação elevada no inverno, quando os vários rios subterrâneos das serras de Aire e Candeeiros excedem o seu caudal, a água sai por diversas exsurgências e cria-se uma lagoa na depressão cársica Mira de Aire-Minde.

O que é um polje?

Polje de Minde
Polje de Minde. Por Francisco Antunes

Um polje é uma depressão de fundo plano que resulta da movimentação de blocos a partir de falhas existentes na litologia do terreno. Os poljes estão relacionados com a estrutura geológica do terreno e apresentam também uma complexa circulação endorreica, da qual fazem parte exsurgências, sumidouros e cursos de água temporários.

Os poljes ocorrem em zonas de geologia calcária, em que a erosão ao longo das eras geológicas fez já “estragos” consideráveis. Sendo uma rocha bastante solúvel, o calcário cria redes de galerias subterrâneas, entre grutas e algares.

Ao invés do que é normal, a circulação de águas subterrâneas faz-se no seu essencial por redes de galerias com secções que vão dos poucos centímetros às várias dezenas de metros e não por lençóis e estratos mais ou menos porosos. Na verdade, não existem rios de superfície nestas áreas, eles tomam a forma subterrânea e só aparecem à superfície, já na periferia dos maciços calcários.

O polje de Minde é drenado na periferia do maciço pelas nascentes dos rios Lena, Alviela e Almonda. Quando a entrada de água no sistema é superior ao caudal permitido pelas nascentes, a água eleva-se dentro da rede e inunda esta área deprimida que é o polje, através de dois ou três algares existentes na sua base, formando este mar temporário.

Este fenómeno ocorre no polje de Minde durante poucas semanas de cada ano e há invernos em que não chega a formar-se. Quando a precipitação diminui, o “mar” desaparece, uma vez que a água é escoada por diversos sumidouros. Como é necessário que haja uma certa concentração temporal de grandes quantidades de precipitação, este fenómeno não é regular e não tem periodicidade certa.

Inundações inesperadas

Polje de Minde
Por Threeohsix

Apesar de este ser um local de características únicas e que vale a pena visitar, nem sempre a população conviveu bem com este fenómeno. Há anos em que as inundações não passam de pequenos alagamentos. No entanto, houve também anos em que as cheias atingiram níveis impressionantes (sete a dez metros em relação aos locais mais fundos) e a duração de quatro, cinco ou mesmo seis meses. Destacam-se as cheias de 1855 e 1936, das quais existem registos e, mais recentemente, as de 1996 e 2001.

Em alguns anos, as águas prolongam-se até ao princípio do verão. Nas cheias que duram mais meses é normal aparecerem algumas espécies de peixes, nomeadamente enguias, e, mais recentemente, uma espécie de lagostim de água doce, o lagostim vermelho.

A área do polje já foi também ocupada por várias culturas, principalmente por vinhas, porque as cepas suportam melhor a submersão durante longos períodos. Contudo, as cheias em vez de enriquecerem o solo com materiais de aluvião, empobrecem-no por terem um efeito de lavagem pelas águas limpas das nascentes e, se forem muito prolongadas, afetam a normalidade do ciclo vegetativo por forçarem as cepas a um rebentamento extemporâneo.

Por isso, estas vinhas foram sendo progressivamente abandonadas até ao seu quase total desaparecimento, sobretudo na área de Minde, onde a demora das águas é mais prolongada.

À descoberta de aves e répteis

Polje de Minde
Por Francisco Antunes

Classificado como local Natura 2000, o polje de Minde foi também classificado, em dezembro de 2005, como sítio Ramsar, o que significa que constitui um importante património internacional como zona húmida temporária e ecossistema de inúmeras espécies.

O “mar” de Minde gera toda uma fauna única, para além de atrair visitantes longínquos. As gaivotas percorrem mais de 50 quilómetros da costa para passarem alguns meses a caçar, principalmente os famosos peixes-rã

Além das gaivotas, este local é um bom observatório de outras aves, como os guarda-rios, os galeirões ou os patos bravos, que aproveitam as excelentes condições e por aqui se fixam durante os meses em que há água em quantidade suficiente para se alimentarem.

Mas se gosta de observar animais, aproveite para descobrir também os répteis. Se se aproximar da margem e observar atentamente a água durante alguns minutos, poderá ter a sorte de ver tritões, salamandras e cobras de água.

Foi precisamente uma fotografia de duas salamandras a copular no “mar” de Minde que tornou João Rodrigues um dos vencedores do concurso “Underwater Photographer of The Year”, a maior montra da fotografia subaquática a nível internacional, na categoria “Behaviour” (comportamento), em janeiro de 2020. A cerca de três metros de profundidade, João tirou a fotografia que foi publicada na revista National Geographic.

Polje de Minde
Fotografia de João Rodrigues para o concurso “Underwater Photographer of The Year”

No verão, quando o lago desaparece, é possível observar outras espécies avícolas, como o cartaxo, a petinha-dos-campos e a águia-cobreira.

Mergulhar no polje

Quando tem água, o polje de Minde pode proporcionar momentos de diversão aos praticantes de desportos aquáticos. Com uma profundidade máxima que chega a ser superior aos 15 metros na zona central, e perto das margens a rondar os quatro metros, reúne óptimas condições para o mergulho.

A canoagem é outra das melhores formas de aproveitar este lugar invulgar. No pico do verão o falso lago desaparece, ficando reduzido a uns pequenos charcos de água barrenta. O mesmo local onde de inverno se faz canoagem, transforma-se numa pista de aterragem de parapente ou num percurso de BTT.

578 Shares

Artigos relacionados

1 comentário

antonio 01/02/2023 - 17:59

Gostei muito do artigo.

Obrigado Angela

Responder

Faça um comentário

Ao clicar em ENVIAR aceita a privacidade

Copy link
Powered by Social Snap