Das 477 igrejas com identidade canónica da diocese do Porto, a única dedicada a São José é a Igreja de São José das Taipas, perto do Jardim da Cordoaria, e é precisamente aí que pode ser visitado o presépio mais antigo da cidade. Trata-se de uma obra de arte, de estilo barroco, datada do século XVIII, cuja autoria está atribuída à escola de Machado de Castro, um dos grandes escultores europeus do barroco.
Qualquer pessoa, ao longo do ano, pode pedir para visitar o presépio, gratuitamente, mas é no período do Advento até ao Dia de Reis (6 de janeiro) que o presépio é o grande protagonista da igreja e pode ser visitado todos os dias, das 11h às 12h30 e das 15h30 às 17h. Por marcação prévia, a Irmandade das Almas de São José das Taipas aceita ainda visitas noutros horários.
Ali, na Igreja de São José das Taipas, irá encontrar João Pedro Cunha, curador da igreja, que nos apresenta todos os pormenores e curiosidades sobre o presépio. Em entrevista à EscapadaRural, João Pedro Cunha começa por explicar que a irmandade incumbiu Machado de Castro de uma missão importante: não só retratar a sagrada família, como em todos os presépios, e os Reis Magos, mas também representar o que São José representa para a sociedade, como padroeiro das famílias e de toda a Igreja Católica.
“O objetivo era que este presépio, que ia ficar todo o ano à face da igreja, fosse visitado por crentes e não crentes, e que todas as pessoas pudessem sentir-se integradas e unidas a este presépio”, afirma o curador.
Machado de Castro aceitou o desafio e criou, nas palavras de João Pedro Cunha, “um presépio magnânimo”. A maquineta – estrutura onde o presépio está embutido – é composta por mais de 76 figuras, além do cenário. “As figuras representam um estrato da sociedade: uma lavadeira, um pastor, um bêbado, uma pessoa rica, uma pessoa pobre, uma pessoa feliz, uma pessoa infeliz, uma meretriz. Depois temos a parte da fauna e da flora, temos ovelhas, cabras, o galo, temos também o tradicional touro e o burro dentro do presépio”.
Mas uma das particularidades deste presépio que mais chama a atenção é ter, entre as suas figuras, um quarto Rei Mago. Para explicar o porquê desta obra ter quatro Reis Magos, João Pedro Cunha recua até 1223, ano em que em Greccio, Itália, São Francisco de Assis criou o primeiro presépio em tamanho real e com animais vivos para que as pessoas pudessem ver pela primeira vez o que poderia ter sido o nascimento de Jesus Cristo.
São Francisco de Assis, quando questionado por um emissário do Papa a razão de ter colocado três Reis Magos, respondeu que, quando Jesus nasceu, apenas três continentes eram conhecidos e tinham trocas comerciais, por isso colocou um representante de cada um desses continentes: europeu, asiático e africano.
Contudo, no século XVIII, Machado de Castro chegou à conclusão que era importante atualizar o presépio. Daí a inclusão de um quarto Rei Mago a representar o continente americano. Este segue apeado, segurando um lama pelas rédeas, a descer uma escarpa.
Na parte central do presépio, temos então a Sagrada Família: Maria, José e o menino Jesus. Os três estão dentro de uma estrutura feita em folha de ouro que na Igreja se dá o nome de tabernáculo – uma estrutura que envolve e protege algo divino -, no caso deste presépio é o próprio menino Jesus.
Mas, na opinião de João Pedro Cunha, “o elemento mais importante deste presépio não é o que está no meio, em talha dourada, e que obviamente reconhecemos como sendo a Sagrada Família”. Machado de Castro tinha como objetivo “colocar dentro deste presépio a família”, porque “o mais importante do Natal é a família, a nossa família”.
“Então, no ponto mais alto do presépio, do lado esquerdo, temos a típica família portuguesa portuense do século XVIII reunida à mesa com a sua cabaça de vinho tinto e peixe, porque antigamente a tradição não era bacalhau”, esclarece o curador da igreja.
Durante o restauro que o presépio teve em 2020 foi encontrada outra família, porque havia peças que não estavam neste presépio, uma vez que estavam danificadas, e que foram incluídas na obra atual.
Foi ainda durante este processo de restauro, em parceria com Direção Regional de Cultura do Norte, que se concluiu que o presépio que está exposto na Igreja de São José das Taipas é o mais antigo da cidade do Porto, porque existe documentação que o comprova.
Não há certeza absoluta de quando foi terminado, mas a Irmandade das Almas de São José das Taipas ainda guarda o talão de compra da escola de Machado de Castro que de alguma forma comprova que terá sido concluído em 1764. “Mas durante o processo todo de conversação o presépio já poderia estar concluído. Por isso, há aqui um hiato de tempo de 1756 a 1764 em que poderá obviamente ter sido durante este hiato em que se terá concluído o presépio”, assegura João Pedro Cunha.
De qualquer forma, para o curador da igreja, este “é só mesmo um galardão temporário”, porque acredita que um dia vão encontrar um presépio que seja, com a devida documentação, o mais antigo. Mas aqui “o que interessa é mesmo o que este presépio representa e é um marco cultural para esta cidade”, remata.
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