Porto Santo: a ilha onde a areia cura

Quando os navegadores portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram o Porto Santo, em 1418, imediatamente perceberam o potencial único da ilha. Talvez não soubessem na época que as areias da Ilha Dourada, como é popularmente apelidada pelos madeirenses e estrangeiros, têm propriedades especiais, mas certamente viram algo de especial neste lugar.

O Porto Santo, juntamente com a ilha da Madeira, descoberta um ano depois, foram um polo importante na epopeia dos descobrimentos. Reza a história que por ali passou e residiu Cristóvão Colombo, que acabaria por casar com uma das filhas do primeiro capitão donatário da ilha, o navegador Bartolomeu Perestrelo.

No Porto Santo e na Madeira programavam-se grandes viagens pelo mundo, mas também era ali que os navegadores faziam longas estâncias de climatização, isto é, quando voltavam de lugares com clima tropical paravam nestas ilhas durante alguns meses para se ambientarem a um clima mais ameno e depois regressarem aos climas mais frios do continente europeu.

Por isso, cientistas e historiadores acreditam que o turismo de saúde e bem-estar no arquipélago da Madeira tenha começado já desde a altura das rotas comerciais instituídas pelos portugueses no século XV.

Mais tarde, já nos séculos XIX e XX, a ilha da Madeira era conhecida em todo o mundo pela qualidade dos seus parâmetros climáticos e pela cura de tísicos feita pelos chamados “bons ares” da ilha. São conhecidas as duas viagens que a imperatriz da Áustria Sissi fez à Madeira para se recuperar de uma doença nos pulmões.

Em 1922, o médico madeirense Nuno Silvestre Teixeira escreveu sobre as potencialidades dos recursos naturais da ilha do Porto Santo. No Diário de Notícias do Funchal, o médico escreveu 12 crónicas sob o tema “não há estação de saúde como a ilha do Porto Santo”, em que relatava os sucessos terapêuticos e medicinais das areias, das águas e da “cura uval” – cura feita através da ingestão de uvas – para doenças osteoarticulares, musculoesqueléticas, entre outras.

Hoje em dia, as areias finas e douradas do Porto Santo continuam a ser muito procuradas e, como conta à EscapadaRural, João Baptista Pereira Silva, investigador integrado da Unidade de Investigação GEOBIOTEC, Fundação para a Ciência e Tecnologia e Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, “não há uma pessoa na Madeira e no Porto Santo que não tenha uma história para contar de um amigo, de um familiar ou de um conhecido que foi ao Porto Santo, que se cobriu com areias e que se sentiu melhor”.

O que é que a areia do Porto Santo tem?

As areias que encontramos na ilha do Porto Santo formaram-se há cerca de 35 mil anos numa altura em que a ilha tinha um clima tropical e apresentava quatro vezes o tamanho que tem hoje (42 quilómetros quadrados).

“Estas areias são completamente diferentes das areias que ocorrem na maioria das praias europeias e portuguesas”, começa por explicar João Baptista. Enquanto que as praias de Portugal e da Europa são constituídas essencialmente por areias siliciosas ou quartzosas, isto é, resultam da alteração dos maciços graníticos, a areia das praias do Porto Santo é uma areia carbonatada biogénica. “Se é areia é porque é um sedimento fino, carbonatada porque é carbonato de cálcio, e biogénica porque as suas partículas correspondem a restos de seres vivos marinhos”, continua o investigador.

Esses restos fossilizados de animais marinhos e algas, sobretudo umas algas vermelhas microperfuradas que captam, armazenam e mantêm o calor e a energia, que perdura por muito mais tempo, fazem com que estas areias, em dias de céu limpo e vento fraco, atinjam temperaturas de 65ºC.

Quanto às propriedades físicas, são areias muito finas, de baixa dureza, e a forma do seu grão é tabular, isto é, enquanto que nas praias portuguesas e da Europa o grão é esférico, estas areias formam pequenas placas tabulares.

“Quando vai ao Porto Santo e se deita sobre a areia, o facto de ela ser fina, macia, pouco abrasiva, de baixa dureza e ter o hábito lamelar ou tabular, permite que haja uma grande adesividade à pele”, clarifica João Baptista. Assim, “a composição química e as propriedades físicas das areias são muito importantes para o tratamento”, esclarece o especialista em Geomedicina.

Como funciona a psamoterapia?

O tratamento de arenoterapia, isto é, a terapia feita pela ação da areia/corpo humano, também designada de psamoterapia é muito simples. Pode fazê-lo numa clínica ou em centros de bem-estar especializados, mas se preferir pode fazer o tratamento na praia de forma gratuita. Para isso, basta cavar um buraco na areia entre 30 a 50 centímetros, deixar a areia aquecer até a uma temperatura suportável pelo corpo (40-42ºC), meter-se na cova e tapar-se com a areia previamente aquecida durante cerca de 20 a 30 minutos.

“Ao transpirar, o nosso suor, que é uma solução ácida, em contacto com a areia misturada com sais dissolvidos, que são alcalinos, vai fazer com que os nossos poros fiquem abertos e eliminem o sódio, o potássio, entre outros elementos químicos, mas também vão ficar abertos e disponíveis para receber os elementos químicos que estão disponíveis no meio envolvente”, explica João Baptista.

Estas areias carbonatadas biogénicas são ricas em minerais como magnésio, cálcio, fósforo, enxofre, estrôncio – um anti-inflamatório natural -, entre vários outros, que são absorvidos pela superfície da pele através do tratamento.

O calor da areia tem uma função anti-inflamatória e a absorção de elementos químicos bio essenciais libertados da areia dissolvida pela ação do suor corporal contribui para a preservação e benefício da estrutura óssea e também das cartilagens articulares.

A junção das propriedades físicas, químicas e de temperatura têm um efeito terapêutico no caso de doenças musculoesqueléticas. “Há pessoas que têm problemas, como os famosos ‘bicos de papagaio’ ou osteofitose, distensões musculares, e são pacientes com este tipo de patologias que anualmente recorrem a estas areias do Porto Santo para fazer tratamentos”, diz o investigador.

Areia e água: uma combinação perfeita

Fazer praia em Porto Santo faz bem à saúde e não é só por causa da areia. A água do oceano Atlântico que banha a ilha tem um elevado teor de iodo e, por isso, permite várias utilizações terapêuticas.

Na ilha, são vários os locais onde pode usufruir de tratamentos à base de água, como, duche terapêutico, indicado para problemas osteomusculares ou massagens de jatos de água, ideais para relaxar, tratar a celulite e problemas de reumatismo, circulatórios, musculares, de pele, de equilíbrio.

Um outro tratamento que tem tido muita procura consiste simplesmente em boiar, numa piscina de relaxamento, enquanto a água do Porto Santo faz o resto do trabalho e atua sobre o corpo.

Proteger um recurso natural não renovável

O Porto Santo foi elevado a reserva da biosfera da UNESCO em outubro de 2020, por isso é extremamente importante preservar este recurso natural, não renovável e único no mundo. João Baptista explica que “para além da parte técnica e científica, também tem havido uma ação na educação ambiental para a cidadania”.

Há cerca de 10 anos foi lançada uma campanha que visava a importância dos banhistas retirarem a areia que ficava colada ao corpo antes de saírem da praia para evitar levar areia para casa. Foi instituído pela Câmara Municipal do Porto Santo e pela Sociedade de Desenvolvimento do Porto Santo à saída das principais praias com bandeira azul do Porto Santo o lava-pés, que são pequenas torneiras de impulso de água que removem a areia.

Outra ação foi a campanha de sensibilização para as pessoas não circularem ao longo dos flancos das dunas. Foram construídos vários passadiços em madeira para acesso à praia de forma a reduzir o pisoteio e a destruição da vegetação que reveste o cordão do mar.

Foram também disponibilizados cinzeiros para os banhistas não deixarem restos de cigarros na areia, que demoram entre cinco a sete anos a degradar-se, o que tem consequências para a qualidade da própria areia.