Da Guerra dos Montes ou Guerra dos Alares não rezam os livros de História. Mas quem passa pelas ruínas da antiga aldeia dos Alares, que emergem no meio da terra xistosa e seca na zona do Tejo Internacional, no concelho de Idanha-a-Nova, perguntar-se-á que estórias contarão aquelas pedras silenciosas, vestígios de um passado longínquo.
A aldeia dos Alares, tal como as aldeias de Cobeira e Cegonhas (Velhas), tiveram origem no início de 1800, pela mão dos povos de Malpica do Tejo e de Monforte da Beira, como nos conta Mário Lobato Chambino, licenciado em História pela Universidade Aberta e membro da Associação de Estudos do Alto Tejo, na sua monografia “Rosmaninhal, lembranças de um mundo cheio”.
A origem destas três aldeias remete-nos até às Invasões Francesas, mais precisamente à segunda, que passou por esta região. Saindo de Alcântara, em Espanha, Junot, à frente de um exército exausto e descalço, enviou as suas tropas por vários percursos, um deles seguindo de Segura até Castelo Branco.
Com medo dos franceses, a população fugiu para os campos, sobretudo mulheres e crianças. Aquartelados em Castelo Branco, as tropas desmoralizadas e indisciplinadas aterrorizavam as terras em volta, pilhavam e roubavam, invadiam igrejas e chocavam a população.
Terá sido neste contexto que gente fugida de Malpica do Tejo e Monforte da Beira começou a cultivar, às escondidas, a região fértil e inculta compreendida entre o rio Aravil e o rio Tejo, já no limiar do Rosmaninhal, obtendo boas e proveitosas culturas.
Era um esconderijo perfeito – ainda hoje os caminhos são difíceis e é surpreendente haver tantas casas ali. Em poucos anos criou-se um povoado, todos eram iguais, o trabalho era duro mas rendia e, acima de tudo, não tinham que pagar nada pela utilização das terras.
Os habitantes destes montes – chamados de Monteses – viviam em casas baixas construídas em xisto, com poucas janelas, sendo a porta de entrada a principal fonte de luz natural. Por dentro era habitual o uso do barro e das prateleiras de xisto para fazer armários, ainda hoje visíveis.
Por volta de 1865, foi acolhido pelo povo da Cobeira um foragido político, o Visconde Morão, que apercebendo-se da inexistência de qualquer título de registo de propriedade ou aluguer da terra por parte daquela gente simples, declarou-se dono de toda aquela vasta área, englobando as três aldeias numa propriedade única. Os habitantes aceitaram a situação sem qualquer protesto ou desafio e começaram a pagar o foro anual ao Visconde.
Uma disputa pela terra de ninguém
Quando o Visconde faleceu, os terrenos passaram para o seu filho José Guilherme Morão. Os problemas surgiram apenas em 1920 quando José Morão morreu e os seus herdeiros comunicaram imediatamente à população de Alares, Cobeira e Cegonhas para abandonarem os seus terrenos, casas e pertences. O povo decidiu recorrer à justiça do Governador Civil de Castelo Branco, que os aconselhou a permanecer nas aldeias até se comprovar a propriedade, à altura tida como duvidosa.
Sem se entenderem entre si e receosos da descoberta da sua ilegítima apropriação, os herdeiros decidiram vender os terrenos. A 6 de outubro de 1923, a família Morão vendeu através de escritura todas as terras habitadas pela população de Alares, Cegonhas e Cobeira a 605 habitantes do Rosmaninhal.
Foi esta escritura que lançou o povo do Rosmaninhal contra os três povos, numa luta de cerca de 3 mil habitantes do Rosmaninhal contra cerca de 1200 habitantes repartidos por três povoações distantes umas das outras, o que lhes dificultou a vida na hora de se defenderem.
A 7 de outubro de 1923, os habitantes do Rosmaninhal invadiram a aldeia dos Alares, devastaram os campos, queimaram celeiros, destruíram as alfaias e os arados. Seguiram-se as aldeias de Cegonhas (Velhas) e Cobeira e ao longo de todo o mês de novembro sucederam-se os mais variados atos de vandalismo, havendo até relatos da época que contam que o mel e o azeite escorreram pelas ruas e o gado foi esfolado vivo.
Ao longo de vários anos sucederam-se esses atos de pilhagem, roubo e vandalismo puro, envolvendo a destruição de culturas, a morte indiscriminada de animais e ameaças de morte a homens, mulheres e crianças.
A população das três aldeias, assustada e exausta do conflito, foi aconselhada a abandonar os Alares e as outras povoações. Em setembro de 1924, o Governador Civil foi levado a intervir para repor a ordem, mas o conflito só viria a terminar em 1930 com a expropriação das terras por parte do Governo e a sua distribuição aos diferentes povos em parcelas equitativas (glebas) num sorteio justo e planeado.
Contudo, os habitantes dos Alares acabaram por fixar-se nas terras da Raiz – atual aldeia das Soalheiras -, o povo das Cegonhas (Velhas) criaram um pouco mais longe a aldeia de Cegonhas (Novas) e o povo da Cobeira distribui-se por estas, indo também alguns para Monforte, Malpica, Ladoeiro e Couto das Correias.
A guerra da desertificação do interior
Hoje em dia, não há disputas pela posse destes terrenos, mas também não há gente. A aldeia dos Alares continua deserta até hoje e restam apenas as ruínas que contam a história de uma aldeia que nasceu e viveu do trabalho do povo que construiu o seu futuro do nada.
À volta das ruínas avistam-se algumas propriedades agrícolas, atualmente mais vocacionadas para a caça turística, uma vez que esta é uma região privilegiada para a caça, sobretudo veados, que se podem ver mesmo de dia e em grande número.
Mais de um século depois desta guerra, também o Rosmaninhal, ali bem perto, é agora ameaçado pela desertificação do interior. Daqui a alguns anos, quem sabe, as ruas e as ruínas dos Alares, a história da sua fundação e da guerra que a destruíram ficarão apenas guardadas nas monografias e nas memórias dos que ainda vivem nas aldeias vizinhas.
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